28 janeiro 2007

[CINE] Respire fundo e boa viagem

Basta um filme ser adaptado de um best-seller pra que aquele medinho de obra estragada gele o estômago. Junte a isso um trailer que não ajuda nada a entender do que se trata a tal adaptação pra que a vontade de vê-la caia de vez por terra.

Assim como quase todos os filmes-de-livros, isso acontece também com Perfume, o cultuado suspense escrito pelo alemão Patrick Süskind, que agora ganha sua versão para o cinema nas mãos do também alemão Tom Tykwer (de Corra Lola, corra). Esqueça aquele trailer que vende o filme como mais uma historinha de serial killer de época. Esqueça o erro que foi a adaptação de O código da Vinci. Perfume faz parte de uma outra categoria.

Tykwer abriu mão de sua câmera nervosa, com cortes videoclípticos e som no talo pra trazer ao cinema o que Süskind trouxe para o livro: a nítida sensação de estar sentindo todos os cheiros e sensações descritos na história. Acredite: Perfume é o filme mais aromático dos últimos tempos, com uma fotografia impecável, até na mais repugnante imundície da França do século XVIII.

O narrador em off dá um tom de fábula à história de Jean-Baptiste Grenouille (Ben Whishaw), um garoto que nasce com o olfato extremamente apurado. Ele é capaz de ver tudo à sua volta apenas pelo cheiro e, quando cresce, decide capturar estes aromas naturais e guardá-los para si. É aí que Jean sai em busca da essência perfeita, aprendendo tudo o que o perfumista decadente Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman) consegue ensinar. O problema é que a fonte da tal essência que Jean-Baptiste procura está em corpos femininos. Começa então sua saga para reunir os aromas do seu perfume ideal. Como? Matando mulheres para destilar seus cheiros.

Perfume bem merecia ser falado em francês. Com certeza a sensação de veracidade seria bem maior. Idiomas à parte, Tykwer só derrapa mesmo no final. Em um dos momentos mais lúdicos da trama, o tom de fábula se perde e tudo parece um pouco descabido do contexto. Mas nada que mude o fato de que Perfume é um filme que merece ser visto e, principalmente, sentido.

25 janeiro 2007

[CINE] Você já viu isso antes

Não é C.S.I. mas tem um corpo e um local do crime sendo analisados por peritos; não é Em algum lugar do passado, mas tem um homem apaixonado por uma mulher que já se foi; não é De volta para o futuro, mas tem um cara que volta no tempo pra mudar o rumo das coisas; não é Titanic mas tem uma grande tragédia no mar; não é Minority Report mas tem uma equipe de policiais que trabalha, não vendo o futuro, mas o passado. Enfim, Déjà Vu é isso mesmo: nada.

Não vou bancar o ingênuo dizendo que um filme deve ser mais arte e que não pode ter um lado comercial. Mas nessa onda de produtizar tudo o que se faz, algumas coisas passam do limite. A presença de tantas situações diferentes pra tentar pescar o maior número de espectadores possível gera uns trambolhos milionários como este produzido pelo pipoqueiro-mor Jerry Bruckheimer (Con air e Armageddon). Tudo o que você já viu está ali. E pra tentar dar um mínimo de coerência a essa balela toda, o roteirista Terry Rossio (Godzilla e A máscara do Zorro) abusa de diálogos cafonas, desfechos previsíveis e situações tão constrangedoras quanto qualquer cena de Páginas da vida.

Pra não ser o ranzinza que odeia blockbusters, o filme tem duas virtudes (duas tá bom, né?): o filme foi rodado em Nova Orleans logo depois do furacão Katrina, criando vários empregos temporários e movimentando a economia da cidade. E a perseguição de carros, em que o policial Doug Carlin (Denzel Washington de novo interpretando Denzel Washington) persegue um carro que está quatro dias no passado.

Por falar em passado, é lá mesmo que Déjà Vu pode ficar.

22 janeiro 2007

[CINE] Variações de um mesmo tema

Atuações impecáveis, trilha sonora no ponto, fotografia de encher os olhos, direção inteligente e correta. Isso é o mínimo que se espera de um bom filme. E é o que Babel, terceiro filme da "trilogia" de Alejandro González Iñárritu, baseada na teoria do caos, apresenta.

Pra ser sincero, não entendo muito essa onda de trilogias de um mesmo tema. Trilogia de uma grande história contada em três partes, OK. Mas três variações de um mesmo tema cansam. E mesmo com tudo amarradinho e cenas realmente tensas que valem a pena serem vistas, Babel também cansa.

Há seis anos, Iñárritu alcançou seu cantinho no mundo do cinema com Amores brutos e sua série de eventos catastróficos com ligação improváveis, mas possíveis, bem amarrados pelo roteirista Guillermo Arriaga. A dobradinha Iñárritu-Arriaga se repetiu três anos depois com 21 gramas, só que com um elemento novo: a completa falta de ordem cronológica na montagem. Nada tão inovador, mas pelo menos mexeu um pouco com a estrutura. Mas agora, com Babel, o tal elemento novo já está mais que batido e datado.

O preconceito e o medo depois do 11 de setembro ou a completa falta de comunicação entre as pessoas em um mundo ultrateconógico e globalizado já são clichês não é de hoje. Babel junta isso tudo em um filme só que tecnicamente tem tudo de bom, mas que de novo não tem nada.

19 janeiro 2007

[CINE] Sua vida daria um livro?

Você acorda de manhã, desliga o despertador, vai até o banheiro, pega a escova de dentes e, de repente, ouve tudo o que está fazendo ser narrado, como se você fosse um personagem de um livro. Pior, você descobre que você não passa de um personagem fracassado e que vai morrer a qualquer momento. Sua rotina patética e sem emoção são os últimos capítulos de sua vida. Que tal?

Assim começa o genial Mais estranho que a ficção, do diretor Marc Forster (A última ceia e Em busca da Terra do Nunca). O personagem em questão é Harold Crick (no melhor papel e atuação de Will Ferrell). Ele é um cobrador de impostos da Receita Federal que, ao ouvir a narradora e escritora em crise Kay Eiffel (numa inspiradíssima performance de Emma Thompson), percebe estar vivendo os últimos momentos de sua vida. E Harold não tem controle nenhum sobre isso.

Poderia ser mais um filme indie sobre losers que, no final, encontram seu lado bacana, mas não é. Isso graças ao ótimo trabalho do roteirista estreante Zach Helm, que, com um quê esquizofrênico típico de um filme de Charlie Kaufman (Adaptação), deu a Mais estranho que a ficção um toque inteligentemente agridoce. É como se esta comédia beirasse os romances trágicos dos livros que a personagem Kay Eiffel escreve no filme.

Aliás, estas relações entre a realidade e a ficção são a grande sacada do filme. Nada original, mas bem competente ao mostrar como só podemos tomar conta de nossa vida quando realmente entendemos o que está acontecendo com ela. Só aí podemos deixar de ser apenas personagens pra sermos também narradores de nossa própria história. Imperdível.

15 janeiro 2007

[CINE] Um filme bem lapidado

O chato de um filme com pano de fundo sócio-político é que, ou ele descamba pra um falatório sem fim ou ele acaba virando maaais um filme de ação, perseguição, explosões e casal que se beija no final.

Diamante de sangue, pelo menos, consegue ser um pouco diferente. Não que ele não tenha diálogos engajados ou explosões (tem, e muito). O fato é que ele consegue reunir tudo isso sem ser um depositório de clichês. O filme conta a história do pescador Solomon Vandy (Djimon Hounsou), que tem sua vila devastada por rebeldes em Serra Leoa. Sua família consegue fugir mas ele é forçado a trabalhar em uma mina de extração de diamantes, onde encontra uma pedra de tamanho fenomenal, mas na verdade só quer a família de volta.

Em paralelo, conhecemos Danny Archer (Leonardo DiCaprio), um traficante de diamantes que fica sabendo da existência da tal pedra e precisa tê-la a qualquer custo se quiser continuar vivo.

O jogo de interesses se completa com a jornalista Maddy Bowen (Jennifer Connelly), que busca provas do contrabando de diamantes de conflito para os países ocidentais para conseguir finalizar sua matéria bombástica.

Cada personagem tem um um trunfo na manga pra conseguir aquilo que procura. E o diretor Edward Zwick (O último samurai) manda muito bem em manter tudo na base do toma-lá-dá-cá. Nada de traficante com pena do pobre coitado africano e se redimindo por causa de uma nova grande amizade. Nada de garota apaixonada que resolve arriscar sua vida pra ficar ao lado do mocinho-bandido.

Diamante de sangue só podia ter uns 30 minutos a menos. E não é difícil. Tirando sua duração desnecessariamente esticada, o filme equilibra muito bem os momentos de ação com o tema sócio-político. Tanto que as empresas do mercado de diamantes se adiantaram ao filme e começaram a exibir certificados de que suas pedras não são diamantes de conflito. É um bom exemplo de como um filme pode ser tão pipoca quanto engajado. Vale a pena.

10 janeiro 2007

[DVD] Finalmente eu vi

Além da companhia de amigos, tem uma outra coisa boa em ficar de molho dez dias, sem poder sair de casa, com um tempo feio lá fora e uma febre alta aqui dentro: O controle remoto do DVD com uma pilha de filmes do lado. E foi isso que aconteceu logo nos primeiro dias de 2007. Deu pra tirar da fila aqueles filminhos que sempre ficam pra depois. Vou pular os enganos e os mais ou menos e ir direto a dois que você pode pegar sem medo.

Os Sem-Floresta (Over the hedge)
Se você sempre passa longe desse filme porque os bichinhos são fofiiiinhos demais e não quer esse melê todo na sua televisão, pense outra vez.

A história e um grupo de animais prestes a perder sua floresta para a expansão de um conjunto habitacional de humanos é só o pano de fundo pra uma série impagável de piadas com referência bem adultas. Bote aí na lista clássicos como Cidadão Kane (de Orson Welles) e Um Bonde Chamado Desejo (de Tennessee Williams).

Sem contar que é impossível não se encantar com a tchutchuquice do guaxinim RJ (voz de Bruce Willis) e do esquilo trincadão Hammie (voz de Steve Carrel). A cena lá no final com a lata de energético é pra entrar pros clássicos de cinema de animação.

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Garota da Vitrine (Shopgirl)
É completamente compreensível você deixar esse DVD de lado quando ver que quem escreveu o livro, adaptou o roteiro, atuou e produziu este filme é o comediante Steve Martin (aquele de O pai da noiva, Roxanne, e A pantera cor-de-rosa).

Mas acredite: Garota da Vitrine mostra um Steve Martin completamente diferente do que conhecemos. É uma espécie de romance dramático, ou drama romântico. Sensível, inteligente, adulto. O filme conta a história de um triângulo amoroso entre Jeremy (Jason Schwatzman), um completo looser apaixonado, Mirabelle (Claire Danes), uma vendedora solitária de uma loja de departamentos que nunca soube o que é ser amada e Ray (Steve Martin), um cinqüentão carinhoso, bonito e milionário, mas que só faz questão de ver Mirabelle nas noites em que passa em Los Angeles.

A maneira como essa história é contada pelo diretor Anand Tucker (que, aliás, vai dirigir o sexto filme de Harry Potter ainda em pré-produção) é de encher os olhos.

05 janeiro 2007

[CINE] Perrier com açúcar orgânico

Virei fãzaço da roteirista e diretora Nancy Meyers com o excelente água com açúcar Alguém tem que ceder. Depois do bobinho Do que as mulheres gostam, parece que ela acordou pra vida e aprendeu a fazer um filme redondo, leve, bem contado e com situações capazes de fazer você, num segundo dar uma gargalhada e, no seguinte, derramar aquela lágrima disfarçada no canto do olho.

Por isso não pensei meia vez em correr pro cinema quando vi que O amor não tira férias (The Holiday), já estava em cartaz. Mas será que ela conseguiria se superar depois da excepcional dobradinha Jack Nicholson / Diane Keaton? Bem, digamos que depois de Nancy, o filme água com açúcar finalmente ganhou uma grife chique e inteligente no cinema.

Mas não pense que, por isso, o gênero romance tenha se tornado "mais mulherzinha". Pelo contrário. O quarteto Jude Law / Kate Winslet / Jack Black / Cameron Diaz funciona como um batedor de carne daqueles que as nossas mães usavam pra amaciar um bife, só que capaz de amolecer o coração do cara mais pitboy da platéia.

Tudo começa quando a superbem sucedida diretora de trailers de cinema Amanda (Cameron Diaz) resolve dar um tempo do trabalho e de seus relacionamentos fracassados em Los Angeles. Numa busca na internet, ela descobre um site de troca de casas por uma temporada e escolhe o chalé-pobre-e-fofinho de Iris (Kate Winslet) num vilarejo na Inglaterra. Iris, por sua vez também está cansada de sofrer por um amor que, além de não correspondido, vai se casar com outra em breve. Pronto, as duas resolvem trocar, não só de casa, mas de vida por alguns dias.

Mas isso é só o ponto de partida pra uma história cheia de detalhes emocionantes e personagens tão cativantes que dá vontade de levar pra casa. Os pensamentos de Amanda em formato de narração de trailer são impagáveis. E duvido que você não fique boquiaberto quando descobrir a verdade sobre Graham (Jude Law). Bem, se seu clima é ficar bem zen com um sorrisinho no rosto, este é um ótimo remédio. E procure por Nancy Meyers na hora de ir com sua namorada ou namorado pra locadora. Essa mulher sabe fazer o filme perfeito pra aquele sábado de chuva em que tudo o que você quer é um balde de pipoca de um lado e um grande amor do outro.