28 dezembro 2007

[CINE] Sobre barba, brinquedo e bigode

Quando fiquei sabendo que A Culpa é do Fidel, primeiro filme de ficção dirigido por Julie Gavras (filha do diretor grego Costa-Gavras) falava de um período conturbado da história visto do ponto de vista de uma criança, minha primeira reação foi "Hmmm... já vi isso antes. Passo."

Mas eis que por uma felicidade do destino (e de uma outra sala de cinema lotada) acabei sem opção. Fui obrigado a seguir os passos de Anna de la Mesa (uma atuação de cair o queixo de Nina Kervel-Bey), uma garotinha de 9 anos, literalmente uma pequena burguesa, que vê seu universo de conto de fadas desmoronar. Isso acontece quando seus pais abandonam seus empregos, família, trocam de amigos e de casa pra militar a favor do comunismo no meio da efervescência política na França no início dos anos 70.

A vida de Anna vira de ponta-cabeça. Sua nova casa, pequena e caindo aos pedaços, vive cheia de barbudos chilenos, suas babás passam a ser refugiadas em busca de abrigo e o único que parece se divertir com a história toda é seu irmãozinho mais novo, François (Benjamin Feuillet, mais fofo impossível).

O ponto de vista de Anna é levado a sério do início ao fim. Jullie Gavras (que também viveu sua infância num lar comunista) foge do maniqueísmo fácil. Ela leva sua Anna (e a todos que cruzam seu caminho, inclusive a platéia do cinema) a pensar de uma maneira diferente sobre os dois lados dessa moeda. No meio de tantas pré-definições entre capitalismo e comunismo, só mesmo um olhar curioso de criança pra enxergar algo que ainda ninguém parou pra ver.

21 dezembro 2007

[CINE] O muro de Wiesler

A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen) é um desses filmes que demorei ir ao cinema pra ver e, quando saí da sessão, só pensava "Caraca! Onde eu tava com a cabeça que ainda não tinha visto isso?"

Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2007, esse filme de Florian Henckel von Donnersmarck transporta você dentro de uma Berlim Oriental em pleno regime comunista, onde Gerd Wiesler trabalha em busca de potenciais conspiradores contra a "causa vermelha".

Wiesler é um dos melhores interrogadores-espiões e tem orgulho de como descobre um típico "inimigo". A diferença é que não vemos o filme pelos olhos dos perseguidos capitalistas, mas sim dos perseguidores.

Porém, quando Wiesler começa seu trabalho de desmascarar o intelectual Gerof Dreyman (Sebastian Koch) grampeando sua casa, suas ligações, sua vida, ele passa aos poucos a perceber não é só a Alemanha que está dividida entre dois lados, mas ele próprio.

Wiesler passa a questionar, não de que lado está, mas se existe mesmo um lado pra se estar. O muro já não é de pedra e concreto. O muro está dentro dele.

Impressiona como A Vida dos Outros separa e une estes dois lados de uma mesma nação refletida em uma única pessoa. Reflexo da vida de muitos outros.

15 dezembro 2007

[CINE] Extra: Monstro Acorda Com Pipoca!

Pra quem já estava prestes a mandar uma coroa de flores cá com um bilhetinho de meus pêsames (ou de já vai tarde), pode ir tirando DVD do player.

Assunto nesse tempo é que não faltou. Por exemplo, o tão esperado e misterioso filme de monstro do J.J. Abrams, que, até então, só tinha o codinome de Cloverfield finalmente recebeu um nome oficial: Cloverfield! (Ohhhhh...)

Até agora nada nada de novo, certo? Bem, a novidade tá aqui:


Cloverfield nasceu tão misterioso quanto Lost outro filhote de J.J. Depois da primeira exibição do trailer, não demorou pipocar na internet trocentas teorias sobre o que estaria acontecendo. Seria um filme de monstro? Um novo Godzilla? Um ataque alienígena? O monstro de fumaça de Lost? Só sei que a tensão é grande. Ainda mais com o filme é inteiro rodado do ponto de vista dos personagens, como se eles carregassem câmeras digitais na mão.

Sites e mais sites surgiram trazendo teorias (o mais famoso
é 1-18-08.com, com fotos de uma suposta festa que aconteceu nesse exato dia em que houve o tal ataque misterioso). Fãs e mais fãs lotaram o You Tube com análises quadro a quadro do filme e das fotos.

Como se não bastasse, acabou de cair na rede esse video aí em cima, botando mais lenha na fogueira. Trata-se de uma ação promocional. O fã que conseguir mais gente divulgando o video concorre a prêmios como uma exibição exclusiva do filme em sua cidade antes da própria estréia.

O bacana é que você escolhe como quer divulgá-lo: usando sua própria página do My Space, do Facebook, até do seu Blogger, como aqui. O cara sabe mesmo como gerar um burburinho.

Bom, que 18 de janeiro chegue logo. Esse monstro promete!

31 julho 2007

[CINE] Agora vai, Harry.

Esqueça aquela molecada brincando de atuar (mal) num filme multimilionário. Jogue fora toda aquela histrionice de efeitinhos mágicos engraçados pra botar a criançada rindo na frente da telona. Tudo o que fazia os fãs (adultos) dos livros de Harry Potter ficarem vermelhos de vergonha no cinema foi morto e bem enterrado pela direção inteligente e apurada de David Yates e o roteiro redondo e bem escrito de Michael Goldenberg para Harry Potter e a Ordem da Fênix.

O que o roteirista Steve Kloves demorou quatro filmes pra aprender (só em O Cálice de Fogo ele foi acertar a mão), Goldenberg tirou de letra. E a adaptação do livro para um roteiro de cinema é um passo crucial, principalmente agora que a trama dá um salto em complexida.

Depois de encarar de perto a morte de um amigo e descobrir que Voldemort (Ralph Fiennes) está de volta, Harry (Daniel Radcliffe, que finalmente aprendeu atuar) se vê desacreditado no mundo dos bruxos. O ministério da magia faz de tudo pra encobrir a verdade. Instaura-se uma espécie de ditadura em Hogwarts, que passa a ser comandada por Dolores Umbridge (Imelda Staunton, impecável) que é, de longe, a vilã mais friamente cruel de todos os livros (com excessão de Você-Sabe-Quem, claro).

Depois de tanta discrepância de qualidade entre os livros e os filmes, David Yates, como que num passe de mágica, conseguiu quase equiparar os dois. Não é à toa que já está certa sua direção do próximo Harry Potter: The Half-Blood Prince. Quem sabe ele não emenda mais um e fica até o final da saga?

24 julho 2007

[CINE] O parafuso a menos de Michael Bay

Quem mais anda precisando de uma transformação em Hollywood é o diretor Michael Bay (culpado por A Ilha, Pearl Harbor, Armageddon, etc.). Depois de convencido pelo produtor Steven Spielberg, Bay volta aos cinemas com Transformers pra mostrar o que mais sabe (ou só sabe) fazer: muita ação, um fiapo de história, explosões, pessoas correndo em câmera lenta ao som de uma música melosa e por aí vai.

OK, o filme é um pipocão mesmo. É pra se divertir com os robozões se espancando na tela, certo? Certíssimo. E, como em A Ilha, Transformers começa muito bem. Os momentos em que Sam Witwicky (Shia LeBeuf, numa atuação muito além do que o próprio filme merece), descobre que seu Chevrolet Camaro é na verdade um super robô gigante e alienígena já valem o ingresso. É Steven Spielberg puro, como um Eliot de hormônios à flor da pele descobrindo um E.T. turbinado no quintal de casa.

Mas passado esse momento, entra em ação o velho e cafona Bay de sempre. Personagens inverossímeis (e não estou falando dos robôs!) e cenas de ação tão mirabolantes e frenéticas que depois de um tempo viram paisagem. Sem contar o discurso do bem contra o mal que, láaa nos anos 80, podia fazer um certo sentido pras crianças que viam o Show da Xuxa. Mas hoje só causa constrangimento.

O pouco que dá pra pegar da pancadaria entre os Autobots (robôs do bem) e os Decepticons (os do mal) é realmente de tirar o fôlego. Carros em alta velocidade se transformando a mil por hora numa rodovia e se espancando sem dó nem piedade são de saltar aos olhos. Mas com os cortes acelerados e as trocentas coisas acontecendo com as dezenas de núcleos de personagens desnecessários, tudo ao mesmo tempo e no mesmo lugar, fica difícil acompanhar. E, no final, com tanto porca e arruela voando pra todo lado, Transformers faz o contrário do que deveria: dá sono.

28 fevereiro 2007

[CINE] Ô, seu caceta...

Se você ainda não viu Borat, provavelmente já leu ou ouviu sobre essa "excelente comédia", ou esse "filme fenomenal", ou sobre a "genialidade do comediante Sacha Baron Cohen" ao viver um repórter fictício do Cazaquistão que expõe os preconceitos dos EUA em um pseudo-documentário com pessoas reais.

Bem... Sinceramente não sei o que é mais caído: esse oba-oba todo em cima do filme ou o filme em si. Borat: O segundo melhor repórter do glorioso país Cazaquistão viaja à América tem até seus bons momentos, mas com certeza você já viu tudo isso em algum lugar. E melhor. Os Simpsons já entregavam os podres da sociedade norte-americana não é dessa década. Programas de TV, como o Saturday Night Live, já faziam um humor escrachado e ácido em torno da política e costumes do tio Sam.

Nós mesmos já estamos mais que acostumados com essa linguagem que mistura jornalismo com humor. Já viu Casseta & Planeta? Borat é isso, só que no cinema e sem nada novo, genial, fenomenal ou excelente. É fácil constranger alguém na frente das câmeras dizendo o que ela não esperava ouvir ou fazendo uma pergunta que ela nunca pensou em responder. E é só isso que Sacha faz em seu filme. Um filme que supostamente deveria desbancar os norte-americanos, mas acaba deixando mal mesmo na fita o próprio Cazaquistão, como um país extremamente idiotizado e subdesenvolvido.

Com um senso de humor típico de um pré-adolescente, escatológico e quase sem sentido, fica difícil imaginar que os momentos mais politizados (e os únicos que realmente valem a pena ver) tenham sido propositais. Dá até pra rir, mas você consegue rir muito mais de graça, em casa, ligando a TV da sala.

21 fevereiro 2007

[CINE] Vida longa À Rainha

Sempre achei meio piegas estes filmes que falam sobre valores-de-uma-sociedade-e-seus-contrastes-com-os-valores-de-uma-pessoa-e-por-aí-vai. Mas felizmente o diretor Stephen Frears, com seu fantástico A Rainha, conseguiu mudar radicalmente meu conceito sobre o assunto.

Tudo se passa no intervalo de uma semana, quando a família real inglesa viveu num mundo de cabeça pra baixo. Tudo começa com Tony Blair (Michael Sheen, em sua segunda atuação como Blair), o candidato pra frentex do Partido Trabalhista, se elegendo o Primeiro-Ministro depois de 18 anos de conservadorismo no poder. Naquela mesma noite a ex-princesa Diana (um ícone pop moderno em meio ao tradicionalismo monárquico) morre em um acidente de carro em Paris. Dois fatos isolados que quase causaram uma revolução.

De um lado a Rainha Elizabeth II, segurando com mão de ferro o que resta da real tradição familiar. Um luto extremamente reservado por uma Diana Spencer que felizmente não fazia mais parte da família. De outro lado Tony Blair, com seu olho político na devoção extrema que o povo tinha pela ex-princesa. Uma guerra em que saem do ataque os cavaleiros com espadas e entram as emissoras de TV, a internet e os tablóides. Os únicos elementos do passado aqui são o castelo e sua rainha lá dentro.

Com atitudes contrárias às que o povo e a mídia exigem de uma rainha, Elizabeth II se torna uma bruxa má, a imagem oposta da "princesa do Povo", uma cinderela real que nasceu da plebe, benfeitora dos pobres e necessitados.

Nada é tão simples quanto parece e qualquer atitude nessa guerra pode ter conseqüências catastróficas. Blair sai em defesa de uma instituição praticamente oposta à sua atitude neo-liberalista e a bruxa má, em uma atuação extraordinária de Helen Mirren como Elizabeth II, mostra que é preciso muito mais que uma coroa pra ser uma rainha de verdade.

14 fevereiro 2007

[CINE] Excelente | Excelente

Já tinha gostado de O homem duplo (A Scanner Darkly) antes mesmo de ver o filme. Adaptado do livro escrito por Philip K. Dick (também criador obras que deram origem a filmes como Blade Runner, O pagamento e Minority report) e dirigido por Richard Linklater, o filme dificilmente seria ruim. E pra minha felicidade, eu estava certo: O Homem Duplo arrebenta.

Linklater é um camaleão. Dirigiu tanto Escola do rock como também é o responsável pelos (pra alguns, insuportáveis, pra outros, excelentes) Antes do pôr-do-sol e Depois do amanhecer. Ele foi o cara que usou brilhantemente a técnica de rotoscopia (animação feita em cima da filmagem de atores reais) em seu aclamado Waking Life. Na época, a técnica coube como uma luva para amplificar as discussões existencialistas do filme e, agora, com O homem duplo, ele repete a façanha pra entrar de cabeça no tom dark-futurista-viajante do mundo das drogas sintéticas.

O filme se passa sete anos no futuro, quando o policial Fred (Keanu Reeves) recebe a missão de investigar Bob e seu grupo de amigos viciados na nova droga do momento: a Substância D. Só tem um detalhe: Bob e Fred são a mesma pessoa. A polícia não tem idéia de que seu policial é o tal suspeito pois todos são obrigados a usar um uniforme-camaleão que esconde qualquer traço da fisionomia real de quem o veste. O problema é que Bob/Fred é também viciado na tal droga e um de seus efeitos colaterais é dividir os dois polos do cérebro. Isso faz com que sua personalidade (e a de seus amigos) também comece a se partir em duas. Com o tempo o nível de paranóia de todos chega ao extremo, rendendo os melhores diálogos doidões que você pode ver no cinema. E o melhor: com conteúdo.

Aliás, diálogo é o forte de Linklater. Unindo isso à técnica da rotoscopia, ele pôde levar O homem duplo ao limite. Apesar de muitos dos diálogos serem inspirados nas experiências reais dos amigos do diretor com entorpecentes, o filme não cai no discurso piegas de "não-use-drogas-porque-isso-mata". O homem duplo pode ser visualmente lisérgico mas é duplamente pé no chão. Mais que qualquer campanha antidrogas.

07 fevereiro 2007

[BLAH] É pique, é pique, é pique!

Parece que foi ontem... OK, na verdade parece que foi há muito mais de um ano e só se passaram 365 dias desde que o Com Pipoca surgiu por aqui.

Tudo começou (e continua exatamente igual) como uma brincadeira, com posts escritos para aqueles amigos (conhecidos ou não) que sempre aparecem pra ler e deixar um comentário. Sem contar aqueles que são praticamente forçados a aparecer pelos meus e-mails insistentes e recados no messenger avisando sobre os novos posts, hehe...

A verdade é que, como não tenho muito lá o que dizer, resolvi fazer uma espécie de retrospectiva. Se você estiver com saco (de pipoca também pode ser) e um tempão de sobra, relaxe na frente do computador e aproveite um pouco do que rolou por aqui desde a estréia:

[Brokeback mountain] [Boa noite e boa sorte] [Garotas do ABC] [Wolf Creek] [Johnny & June] [Tudo por dinheiro] [Vingança nos Stones] [Match point] [Capote] [Oscar 2006] [A pantera cor-de-rosa] [Firewall] [A home at the end of the world] [Caiu do céu] [A invasão das vendedoras de ingresso no cinema] [Cocoon - O retorno] [O plano perfeito] [Trilogia de Lucas Belvaux] [A lula e a baleia] [Missão impossível III] [Desvendando Lost 1] [Três enterros] [Uma vida iluminada] [Pergunte ao pó] [O som do trovão] [Isolation] [O corte] [Factotum] [Separados pelo casamento] [Cão de briga] [Eu, você e todos nós] [Quem somos nós?] [Superman - O retorno] [Napoleon Dynamite] [Transamérica] [Piratas do caribe: O baú da morte] [Desvendando Lost 2] [Clerks 2 e as garotas do You Tube] [Silent Hill] [Obrigado por fumar] [Querida Wendy] [800 balas] [A dama na água] [Fora de rumo] [Abismo do medo] [Desvendando Lost 3] [Festival do Rio 2006] [O diabo veste Prada] [Menina má] [O sacrifício] [Podcast Com Pipoca] [Pequena Miss Sunshine] [Dália Negra] [A última noite] [Os infiltrados] [Volver] [O grande truque] [A fonte da vida] [O desabafo das palmas] [Filhos da esperança] [O ilusionista] [007 - Cassino Royale] [Por água abaixo] [O amor não tira férias] [Garota da vitrine] [Os sem-floresta] [Diamante de sangue] [Mais estranho que a ficção] [Babel] [Déjà vu] [Perfume] [Apocalypto]

Ufa. Mas pra doze meses, isso tá longe de ser um trabalho de Hércules. Cabe muito mais pipoca nesse panelão todo aí. E olha que filme bom (e alguns que não precisavam ter nascido) foi o que não faltou desde a première deste blog

Muita coisa ficou de fora. Preguiça, falta de tempo, desleixo. E como toda virada de ano, seja lá em que época for, sempre vem aquela vontade de que, no ano seguinte, tudo seja melhor.

Bom, é esperar pra ver. 07 de fevereiro de 2008 logo, logo tá aí pra gente tirar a prova. Mas enquanto os 2 anos de Com Pipoca não chegam, quem me acompanha pra um chope?

02 fevereiro 2007

[CINE] Prenda-me se for capaz

Mel Gibson precisa levar uma coça por gerar tanta expectativa. Depois de mostrar com quantos baldes de sangue se faz uma Paixão de Cristo, Mel virou sua câmera nervosa para a América Central pré-colombiana e supostamente mostrar o fim de uma civilização.

Provavelmente o que mais chamou a atenção aqui (além das entrevistas polêmicas com o diretor) foi o fato de que os personagens de Apocalypto conversam 100% do filme em uma língua morta. Mas faltou Mel avisar que seu Apocalypto está muito mais pra um filme de perseguição do que pra uma história sobre a decadência de um povo (como o próprio nome nos leva a crer).

O estudo de um dialeto Maia e a reconstituição detalhada de uma época que faz até a mais chata das aulas de história ficar interessante bem que mereciam um roteiro mais bacana do que um simples pega-pega de mocinho e bandido. Como correria, o filme é sensacional, mas pára aí.

As duas únicas referências à tal queda dessa civilização chegam a ser tão constrangedoras quanto botar Mel Gibson pra rezar numa sinagoga. Olha só a seguinte frase que abre a película: "Uma grande civilização não se conquista por fora sem que antes se destrua por dentro". A citação de Will Durant, assim, no começo, logo é esquecida com o corre-corre sangrento. Mas tudo o que se vê no filme, por mais erros históricos que se possa ter, são os costumes de um povo. Não sua degradação moral.

Aliás, quem pode definir o certo e o errado nas atitudes de uma civilização a qual nunca pertenceu? Mel acha que pode. Tanto que pinta a chegada das caravelas de Hernández de Córdoba com um certo tom de alívio. Quem não dormiu nessa aula de história sabe que não foram bem os sacrifícios aos Deuses ou a correria frenética pela floresta que significaram o fim de uma grande civilização...

28 janeiro 2007

[CINE] Respire fundo e boa viagem

Basta um filme ser adaptado de um best-seller pra que aquele medinho de obra estragada gele o estômago. Junte a isso um trailer que não ajuda nada a entender do que se trata a tal adaptação pra que a vontade de vê-la caia de vez por terra.

Assim como quase todos os filmes-de-livros, isso acontece também com Perfume, o cultuado suspense escrito pelo alemão Patrick Süskind, que agora ganha sua versão para o cinema nas mãos do também alemão Tom Tykwer (de Corra Lola, corra). Esqueça aquele trailer que vende o filme como mais uma historinha de serial killer de época. Esqueça o erro que foi a adaptação de O código da Vinci. Perfume faz parte de uma outra categoria.

Tykwer abriu mão de sua câmera nervosa, com cortes videoclípticos e som no talo pra trazer ao cinema o que Süskind trouxe para o livro: a nítida sensação de estar sentindo todos os cheiros e sensações descritos na história. Acredite: Perfume é o filme mais aromático dos últimos tempos, com uma fotografia impecável, até na mais repugnante imundície da França do século XVIII.

O narrador em off dá um tom de fábula à história de Jean-Baptiste Grenouille (Ben Whishaw), um garoto que nasce com o olfato extremamente apurado. Ele é capaz de ver tudo à sua volta apenas pelo cheiro e, quando cresce, decide capturar estes aromas naturais e guardá-los para si. É aí que Jean sai em busca da essência perfeita, aprendendo tudo o que o perfumista decadente Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman) consegue ensinar. O problema é que a fonte da tal essência que Jean-Baptiste procura está em corpos femininos. Começa então sua saga para reunir os aromas do seu perfume ideal. Como? Matando mulheres para destilar seus cheiros.

Perfume bem merecia ser falado em francês. Com certeza a sensação de veracidade seria bem maior. Idiomas à parte, Tykwer só derrapa mesmo no final. Em um dos momentos mais lúdicos da trama, o tom de fábula se perde e tudo parece um pouco descabido do contexto. Mas nada que mude o fato de que Perfume é um filme que merece ser visto e, principalmente, sentido.

25 janeiro 2007

[CINE] Você já viu isso antes

Não é C.S.I. mas tem um corpo e um local do crime sendo analisados por peritos; não é Em algum lugar do passado, mas tem um homem apaixonado por uma mulher que já se foi; não é De volta para o futuro, mas tem um cara que volta no tempo pra mudar o rumo das coisas; não é Titanic mas tem uma grande tragédia no mar; não é Minority Report mas tem uma equipe de policiais que trabalha, não vendo o futuro, mas o passado. Enfim, Déjà Vu é isso mesmo: nada.

Não vou bancar o ingênuo dizendo que um filme deve ser mais arte e que não pode ter um lado comercial. Mas nessa onda de produtizar tudo o que se faz, algumas coisas passam do limite. A presença de tantas situações diferentes pra tentar pescar o maior número de espectadores possível gera uns trambolhos milionários como este produzido pelo pipoqueiro-mor Jerry Bruckheimer (Con air e Armageddon). Tudo o que você já viu está ali. E pra tentar dar um mínimo de coerência a essa balela toda, o roteirista Terry Rossio (Godzilla e A máscara do Zorro) abusa de diálogos cafonas, desfechos previsíveis e situações tão constrangedoras quanto qualquer cena de Páginas da vida.

Pra não ser o ranzinza que odeia blockbusters, o filme tem duas virtudes (duas tá bom, né?): o filme foi rodado em Nova Orleans logo depois do furacão Katrina, criando vários empregos temporários e movimentando a economia da cidade. E a perseguição de carros, em que o policial Doug Carlin (Denzel Washington de novo interpretando Denzel Washington) persegue um carro que está quatro dias no passado.

Por falar em passado, é lá mesmo que Déjà Vu pode ficar.

22 janeiro 2007

[CINE] Variações de um mesmo tema

Atuações impecáveis, trilha sonora no ponto, fotografia de encher os olhos, direção inteligente e correta. Isso é o mínimo que se espera de um bom filme. E é o que Babel, terceiro filme da "trilogia" de Alejandro González Iñárritu, baseada na teoria do caos, apresenta.

Pra ser sincero, não entendo muito essa onda de trilogias de um mesmo tema. Trilogia de uma grande história contada em três partes, OK. Mas três variações de um mesmo tema cansam. E mesmo com tudo amarradinho e cenas realmente tensas que valem a pena serem vistas, Babel também cansa.

Há seis anos, Iñárritu alcançou seu cantinho no mundo do cinema com Amores brutos e sua série de eventos catastróficos com ligação improváveis, mas possíveis, bem amarrados pelo roteirista Guillermo Arriaga. A dobradinha Iñárritu-Arriaga se repetiu três anos depois com 21 gramas, só que com um elemento novo: a completa falta de ordem cronológica na montagem. Nada tão inovador, mas pelo menos mexeu um pouco com a estrutura. Mas agora, com Babel, o tal elemento novo já está mais que batido e datado.

O preconceito e o medo depois do 11 de setembro ou a completa falta de comunicação entre as pessoas em um mundo ultrateconógico e globalizado já são clichês não é de hoje. Babel junta isso tudo em um filme só que tecnicamente tem tudo de bom, mas que de novo não tem nada.

19 janeiro 2007

[CINE] Sua vida daria um livro?

Você acorda de manhã, desliga o despertador, vai até o banheiro, pega a escova de dentes e, de repente, ouve tudo o que está fazendo ser narrado, como se você fosse um personagem de um livro. Pior, você descobre que você não passa de um personagem fracassado e que vai morrer a qualquer momento. Sua rotina patética e sem emoção são os últimos capítulos de sua vida. Que tal?

Assim começa o genial Mais estranho que a ficção, do diretor Marc Forster (A última ceia e Em busca da Terra do Nunca). O personagem em questão é Harold Crick (no melhor papel e atuação de Will Ferrell). Ele é um cobrador de impostos da Receita Federal que, ao ouvir a narradora e escritora em crise Kay Eiffel (numa inspiradíssima performance de Emma Thompson), percebe estar vivendo os últimos momentos de sua vida. E Harold não tem controle nenhum sobre isso.

Poderia ser mais um filme indie sobre losers que, no final, encontram seu lado bacana, mas não é. Isso graças ao ótimo trabalho do roteirista estreante Zach Helm, que, com um quê esquizofrênico típico de um filme de Charlie Kaufman (Adaptação), deu a Mais estranho que a ficção um toque inteligentemente agridoce. É como se esta comédia beirasse os romances trágicos dos livros que a personagem Kay Eiffel escreve no filme.

Aliás, estas relações entre a realidade e a ficção são a grande sacada do filme. Nada original, mas bem competente ao mostrar como só podemos tomar conta de nossa vida quando realmente entendemos o que está acontecendo com ela. Só aí podemos deixar de ser apenas personagens pra sermos também narradores de nossa própria história. Imperdível.

15 janeiro 2007

[CINE] Um filme bem lapidado

O chato de um filme com pano de fundo sócio-político é que, ou ele descamba pra um falatório sem fim ou ele acaba virando maaais um filme de ação, perseguição, explosões e casal que se beija no final.

Diamante de sangue, pelo menos, consegue ser um pouco diferente. Não que ele não tenha diálogos engajados ou explosões (tem, e muito). O fato é que ele consegue reunir tudo isso sem ser um depositório de clichês. O filme conta a história do pescador Solomon Vandy (Djimon Hounsou), que tem sua vila devastada por rebeldes em Serra Leoa. Sua família consegue fugir mas ele é forçado a trabalhar em uma mina de extração de diamantes, onde encontra uma pedra de tamanho fenomenal, mas na verdade só quer a família de volta.

Em paralelo, conhecemos Danny Archer (Leonardo DiCaprio), um traficante de diamantes que fica sabendo da existência da tal pedra e precisa tê-la a qualquer custo se quiser continuar vivo.

O jogo de interesses se completa com a jornalista Maddy Bowen (Jennifer Connelly), que busca provas do contrabando de diamantes de conflito para os países ocidentais para conseguir finalizar sua matéria bombástica.

Cada personagem tem um um trunfo na manga pra conseguir aquilo que procura. E o diretor Edward Zwick (O último samurai) manda muito bem em manter tudo na base do toma-lá-dá-cá. Nada de traficante com pena do pobre coitado africano e se redimindo por causa de uma nova grande amizade. Nada de garota apaixonada que resolve arriscar sua vida pra ficar ao lado do mocinho-bandido.

Diamante de sangue só podia ter uns 30 minutos a menos. E não é difícil. Tirando sua duração desnecessariamente esticada, o filme equilibra muito bem os momentos de ação com o tema sócio-político. Tanto que as empresas do mercado de diamantes se adiantaram ao filme e começaram a exibir certificados de que suas pedras não são diamantes de conflito. É um bom exemplo de como um filme pode ser tão pipoca quanto engajado. Vale a pena.

10 janeiro 2007

[DVD] Finalmente eu vi

Além da companhia de amigos, tem uma outra coisa boa em ficar de molho dez dias, sem poder sair de casa, com um tempo feio lá fora e uma febre alta aqui dentro: O controle remoto do DVD com uma pilha de filmes do lado. E foi isso que aconteceu logo nos primeiro dias de 2007. Deu pra tirar da fila aqueles filminhos que sempre ficam pra depois. Vou pular os enganos e os mais ou menos e ir direto a dois que você pode pegar sem medo.

Os Sem-Floresta (Over the hedge)
Se você sempre passa longe desse filme porque os bichinhos são fofiiiinhos demais e não quer esse melê todo na sua televisão, pense outra vez.

A história e um grupo de animais prestes a perder sua floresta para a expansão de um conjunto habitacional de humanos é só o pano de fundo pra uma série impagável de piadas com referência bem adultas. Bote aí na lista clássicos como Cidadão Kane (de Orson Welles) e Um Bonde Chamado Desejo (de Tennessee Williams).

Sem contar que é impossível não se encantar com a tchutchuquice do guaxinim RJ (voz de Bruce Willis) e do esquilo trincadão Hammie (voz de Steve Carrel). A cena lá no final com a lata de energético é pra entrar pros clássicos de cinema de animação.

***

Garota da Vitrine (Shopgirl)
É completamente compreensível você deixar esse DVD de lado quando ver que quem escreveu o livro, adaptou o roteiro, atuou e produziu este filme é o comediante Steve Martin (aquele de O pai da noiva, Roxanne, e A pantera cor-de-rosa).

Mas acredite: Garota da Vitrine mostra um Steve Martin completamente diferente do que conhecemos. É uma espécie de romance dramático, ou drama romântico. Sensível, inteligente, adulto. O filme conta a história de um triângulo amoroso entre Jeremy (Jason Schwatzman), um completo looser apaixonado, Mirabelle (Claire Danes), uma vendedora solitária de uma loja de departamentos que nunca soube o que é ser amada e Ray (Steve Martin), um cinqüentão carinhoso, bonito e milionário, mas que só faz questão de ver Mirabelle nas noites em que passa em Los Angeles.

A maneira como essa história é contada pelo diretor Anand Tucker (que, aliás, vai dirigir o sexto filme de Harry Potter ainda em pré-produção) é de encher os olhos.

05 janeiro 2007

[CINE] Perrier com açúcar orgânico

Virei fãzaço da roteirista e diretora Nancy Meyers com o excelente água com açúcar Alguém tem que ceder. Depois do bobinho Do que as mulheres gostam, parece que ela acordou pra vida e aprendeu a fazer um filme redondo, leve, bem contado e com situações capazes de fazer você, num segundo dar uma gargalhada e, no seguinte, derramar aquela lágrima disfarçada no canto do olho.

Por isso não pensei meia vez em correr pro cinema quando vi que O amor não tira férias (The Holiday), já estava em cartaz. Mas será que ela conseguiria se superar depois da excepcional dobradinha Jack Nicholson / Diane Keaton? Bem, digamos que depois de Nancy, o filme água com açúcar finalmente ganhou uma grife chique e inteligente no cinema.

Mas não pense que, por isso, o gênero romance tenha se tornado "mais mulherzinha". Pelo contrário. O quarteto Jude Law / Kate Winslet / Jack Black / Cameron Diaz funciona como um batedor de carne daqueles que as nossas mães usavam pra amaciar um bife, só que capaz de amolecer o coração do cara mais pitboy da platéia.

Tudo começa quando a superbem sucedida diretora de trailers de cinema Amanda (Cameron Diaz) resolve dar um tempo do trabalho e de seus relacionamentos fracassados em Los Angeles. Numa busca na internet, ela descobre um site de troca de casas por uma temporada e escolhe o chalé-pobre-e-fofinho de Iris (Kate Winslet) num vilarejo na Inglaterra. Iris, por sua vez também está cansada de sofrer por um amor que, além de não correspondido, vai se casar com outra em breve. Pronto, as duas resolvem trocar, não só de casa, mas de vida por alguns dias.

Mas isso é só o ponto de partida pra uma história cheia de detalhes emocionantes e personagens tão cativantes que dá vontade de levar pra casa. Os pensamentos de Amanda em formato de narração de trailer são impagáveis. E duvido que você não fique boquiaberto quando descobrir a verdade sobre Graham (Jude Law). Bem, se seu clima é ficar bem zen com um sorrisinho no rosto, este é um ótimo remédio. E procure por Nancy Meyers na hora de ir com sua namorada ou namorado pra locadora. Essa mulher sabe fazer o filme perfeito pra aquele sábado de chuva em que tudo o que você quer é um balde de pipoca de um lado e um grande amor do outro.